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domingo, 19 de junho de 2011

Jovens fazem sucesso no YouTube e ganham dinheiro com 'funk do bem'

MCs de 8 a 17 anos reiventam o gênero com letras que fogem do 'proibidão'.
Yuri, de BH, diz fazer shows como os de Justin Bieber, 'mas com menos fãs'.

Por Gustavo Miller e Marcus Vinícius Brasil
Do G1, em São Paulo

Yuri BH fez sucesso com clipe que homenageia a avó. Hoje faz show com cachê de até R$ 4 mil
(Foto: Divulgação)

Na primeira vez em que entrou em um estúdio para cantar, no ano passado, o mineiro Iuri Zanoni Faria de Andrade, de 11 anos, ouviu de um MC mais velho que deveria voltar depois de seis meses, para ter tempo de ensaiar mais. Colegas faziam piada da voz “esquisita” do garoto, que, na época, tinha dez anos. Mas isso não impediu que ele gravasse “Minha vó”, música escrita pelo pai sobre sua relação com Dona Marlene, 63, que estava doente na época e acabou falecendo no último mês de abril.  O DJ de uma rádio comunitária de Belo Horizonte gostou e decidiu tocar a faixa, que virou hit em duas semanas e deu início à carreira do MC Yuri BH.

Yuri é o exemplo mais novo de jovens funkeiros que fazem sucesso antes mesmo de chegar à maioridade. Crianças e adolescentes como MC Miltinho, de 8 anos, que despontam pelo carisma infantil e pela voz livre de hormônios, usando melodias que fazem referências a barulhos de videogame e letras distantes do gênero “proibidão”. “É o funk do bem”, resume MC Amanda, de 16 anos, cujo maior hit no YouTube – o principal canal dessa molecada - chama "Bonde das novinhas”.

Me lembro dos seus conselhos, me afastando das más companhias. Me desviando dessa vida louca"

MC Yuri BH,
'Minha vó'
“Muitos pais veem o funk com preconceito. As minhas músicas tocam em festa de criança, por isso quero mostrar que funk é cultura, sim”, bate o pé MC Amanda, que começou a cantar aos 7 anos e hoje cobra R$ 1 mil por show, mostrando que o sucesso não se restringe apenas ao número de cliques do ambiente virtual. Muitos "mestres de cerimônia" juvenis fazem matinês e shows noturnos com cachês de até R$ 10 mil.

O Justin Bieber mineiro
Momentos antes de MC Yuri BH subir ao palco, quando começa a chuva de papel picado, dezenas de garotas já gritam histéricas, agarrando os cabelos pela raiz. Ele faz uma média de cinco shows por semana e tem a agenda lotada até agosto. Cantou em clubes e matinês de Minas, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Porto Alegre, sempre usando roupas largas, correntes metálicas e cabelo encobrindo os olhos à la Mogli, o Menino Lobo. Em Sabará (MG), fez show para 30 mil pessoas num evento gratuito de rua.

“Na primeira vez que em subi no palco fiquei com medo, vergonha, mas depois me soltei. As pessoas ficam querendo tirar foto, acho massa. É parecido com o que acontece com o Justin Bieber, só que com menos fãs”, diz Yuri. O jovem mineiro gosta do pop star canadense, mas se inspira mesmo em artistas como o funkeiro Bó do Catarina, de São Vicente, e no grupo de rap Racionais MC's.

MC Amanda e MC Miltinho (Foto: Divulgação)

Seu sucesso cresceu depois do lançamento de “O crime não presta”, música mais conhecida de Yuri. O clipe tem mais de 1 milhão de acessos no YouTube (clique aqui para assistir) e a faixa está entre as mais pedidas no programa de rádio do DJ Marlboro, no Rio. As bases instrumentais, inspiradas no “funk romântico”, foram assinadas pelos produtores Luciano Coulti e Roberson Leandro, que já trabalhou com Buchecha.

Sua letra fala de superação, da substituição do crime pela música: “Foi Deus, foi Deus / Foi Deus que esse dom nos concedeu”, canta Yuri. Soa pop, na medida para grudar no ouvido. Com o dinheiro do cachê, que chega a R$ 4 mil por apresentação (ele também canta gratuitamente, em escolas e presídios), engordou a poupança, e o pai comprou um carro novo. Também tem ajudado nas despesas da mãe.

Sem discos lançados, sua última música saiu há três semanas, “Sirene da escola”. Tudo divulgado pela web e no boca a boca, prática comum entre esses jovens funkeiros, que põem suas músicas para download gratuito e distribuem CDs e DVDs nas apresentações.
MC Brunninha (à direita) começou a cantar aos 12 anos as letras compostas por sua mãe (Foto: Divulgação)
‘Bota o dedinho pro alto!’
A família também foi o motivo pelo qual MC Miltinho começou a cantar. No caso do menino de oito anos, morador de Duque de Caxias, no Rio, o principal incentivador foi o pai. Conhecido como MC Batata, Amilton da Silva Lourenço escreveu algumas músicas para o filho cantar, entre elas “Bota o dedinho pro alto”.

A faixa foi remixada pelo DJ alemão Daniel Haaksman e lançada na Europa; virou hit e parou na trilha-sonora do game “GTA: The ballad of Gay Tony”. Segundo o pai de Miltinho, eles nunca receberam um centavo pelos direitos da música.
De top, Melissinha e salto alto, a gente dança funk, dança sem parar"
MC Amanda, 'Bonde das novinhas'

Eles conseguiram, ao menos, divulgação. O cachê do menino chega a R$ 10 mil, na média de dois shows que ele faz por fim de semana. Mas Miltinho não anda muito deslumbrado com a vida de artista.

“Gosto mesmo é de cantar, o resto não me interessa. Fico com um pouco de medo de ter algum erro, mas na hora passa”, diz Miltinho, que nas próximas semanas lança duas faixas novas, “Di menor” e “Mãe que chora”. Ele, que gosta de matemática, não quer seguir para sempre como cantor: “Quero ser engenheiro civil.”
Caminho oposto do trilhado por MC Brunninha, de 17 anos. Apadrinhada do Furacão 2000, ela versa sobre o comportamento dos jovens de sua idade desde os 12 anos. Todas as composições são feitas pela mãe. “Faço muita matinê, então ela vai comigo e fica observando o público. Depois vai para o quartinho e faz a letra”, ri.

Quando ainda era criança, Brunninha cantava sobre o cotidiano na escola, hoje prefere as baladas como tema. “Meu funk é mais alegre, sobre dançar e beijar na boca. Continuo com o lado moleca e brincalhona, só estou com o corpo ‘mais evoluído’”, diz a jovem, que investe na linha sensual e romântica de MC Perlla.
Funk garantido pelos próximos 10 anos
O produtor Sany Pitbull, que trabalha com bailes funk há mais de duas décadas, acredita que o estilo musical se renova e se reinventa com a nova geração de funkeiros. “No Rio é comum as crianças aprenderem a letra de funk antes do hino de futebol de seus times. Rola uma identificação muito forte com a dança e o ritmo”, explica.

Karoline, Márcio e Leandro formam o Larica dos
Mulekes (Foto: Divulgação)
“Brasileiro tem o costume de não gostar de algo antes de conhecer. É fácil criticar proibidão, mas como criticar o som dessas crianças?”, desafia Pitbull, que aposta: “Quando vejo uma criança cantando funk, sei que [o gênero] está garantido pelos próximos dez anos”.

Para ele, a internet é a responsável por propagar o gênero e fazer surgir novos MCs longe do território carioca. “É uma ferramenta genial, vejo vários vídeos da molecada cantando em filmagens feitas por câmeras de celular, sem edição alguma... O importante é falar a sua mensagem”, diz.

Um exemplo recente é o Larica dos Mulekes, formado por Karoline (10 anos), Leandro (12 anos) e Márcio (10 anos), um trio de primos de Arujá, região metropolitana de São Paulo. O clipe deles, gravado de forma amadora no bairro em que moram, registrou mais de 2 milhões de acessos em menos de dois meses e popularizou a expressão “tô com fome, quero leite”. 


"Tô com fomeee, quero leite"
Larica dos Mulekes

“Ele é gordinho, então quando tem fome pede leite. Ele mesmo fez o funk e chamou os primos para o clipe. Temos mais de 20 mil acessos novos por dia e meu filho já tem três [perfis no] Orkut lotados”, diz o padeiro Márcio Bucke, de 29 anos, diretor dos vídeos do Larica dos Mulekes e pai de Márcio Júnior, o líder marrento do trio, que nunca tira os óculos escuros.
"Quero ser funkeiro quando crescer. Gosto do MC Lon, de 'Revolta dos moleques'", afirma Márcio, o filho. Já Márcio, o pai, admite não ser muito fã do estilo musical.

As crianças já foram a programas de TV e foram convidadas para shows no interior de São Paulo. Segundo o pai, que devido ao sucesso do clipe se inscreveu no programa de parceria publicitária do Google (“nem sei mexer nesse negócio”), a ideia é que as crianças não tenham uma carreira musical, apenas se divirtam com os vídeos que parodiam outras canções famosas – as letras são sempre sobre combinações gastronômicas impensáveis.
“Eles querem seguir carreira, está difícil dizer não. Se aparecer um empresário eles vão dar pulos de alegria”, ri.

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